FATT - 6 a 9/8/2015 (português)
O ano de trabalho custa menos a passar sempre que me lembro
que tenho quatro dias no paraíso em Agosto. Já é o meu terceiro ano no FATT
(Festival de Didgeridoo) e certamente não será o último. O lugar (Sítio das
Fontes), o ambiente, as pessoas, tudo é mágico!
O festival conta com várias
actividades, para todos os gostos, durante o dia, e concertos à noite.
O calor
é abrasador mas a piscina natural de água fresca ajuda a suportá-lo. A
restauração baseia-se sobretudo na cozinha vegetariana. E é de salientar que este
é um festival aconselhável para crianças.
O palco, que se encontra virado para
um magnífico anfiteatro ao ar livre, abriu na primeira noite com uma Jam Session. Quem quisesse podia subir e
demonstrar os seus dotes a todos os presentes.
Tomás Carro seguia-se com o seu
didgeridoo e hang.
João Jardim, com os mesmos instrumentos, terminava a noite
com a maior parte do público a dançar em frente ao palco.
O segundo dia começou
ainda com muitas pessoas a chegar para o fim-de-semana. Os workshops começaram de manhã e estivemos pela aula de djambé.
Depois de um excelente almoço vegetariano, passei a tarde no workshop de Introdução à Fitocosmética
onde aprendi os passos para começar a preparação de cada produto.
As tardes
eram bastante quentes pelo que eram passadas por quase todos os festivaleiros à
beira de água ou dentro dela.
A banda sonora é constante no FATT, vão-se
formando jam sessions aqui e ali,
ouvem-se djambés, didgeridoos ou cânticos.
A calma do final de tarde leva-nos a
mais uma noite de concertos. Desta feita Turbodzen, duo vindo da Rússia, abriu
a noite. Apenas munidos de uma harpa de boca, cada um, deram um concerto
completo que encheu o palco de um grande som apesar do tamanho tão reduzido dos
seus instrumentos.
O grupo Transmongolia seguiu-se. Como o próprio nome indica
vieram da Mongólia, trajados a rigor, para nos mostrar as sonoridades e os
instrumentos do seu país. Um concerto que teve muita adesão e onde acabámos
todos a cantar em coro acompanhando os três músicos.
Ab Origine, dupla
italiana, fechava a segunda noite do FATT. Com um didgeridoo e vários
instrumentos de percussão conseguiram pôr toda a gente a dançar trazendo
algumas influências e instrumentos de outros países, mostrando uma sonoridade
quase Trance mas em acústico.
O penúltimo dia de FATT nasceu chuvoso, nada que
não seja uma bênção para quem tem de dormir numa tenda com o calor que o Sul do
nosso país tão bem sabe ter.
O dia como sempre, foi passado por entre
actividades, convívio e muita alegria e onde concluí a minha aprendizagem de
Fitocosmética. Fizemos um óleo de massagem e um bálsamo labial. Tudo 100%
natural, claro.
O Sol pôs-se ao som de Sage, o artista vindo da Rússia, que nos
trouxe música experimental. Acompanhado de um didgeridoo e algumas loop stations, ajudou-nos a viajar.
A
viagem continuou com Kabeção & Mayuko nos hang’s. Um concerto bem calmo e
extremamente bonito (talvez aquele que mais gostei) que o público ouviu atentamente.
O som do hang é bastante delicado e tem vindo a ganhar muitos fãs ultimamente.
Dubravko Lapaine que veio da Croácia foi o artista que se seguiu e onde a
música acompanhou sempre uma mensagem. Apenas com didgeridoo tocou e encantou
todos os presentes.
“Difficult is still possible” (O difícil não é impossível).
Para terminar os concertos a banda Muscaria Psico Waves, de Espanha, subiu a
palco. Com uma máscara e um ritual de início incendiaram a última noite do
festival. Uma junção de vários estilos musicais e instrumentos que terminaram
em grande o FATT 2015.
O último dia, ou última manhã, é sempre triste. A
despedida é necessária mas é só um até para o ano!
Durante as tardes do festival tive também o privilégio de
entrevistar alguns dos artistas:
Sage (Evgeny Tolstykh)
Podes-nos falar um pouco do teu projecto?
É um projecto a solo onde uso alguns aparelhos electrónicos
para combinar sons e criar alguns efeitos. Venho ao FATT como músico de
didgeridoo mas também venho com outros sons. Costumo cantar músicas
tradicionais russas mas aí é necessário entender o significado das palavras, é
necessário saber a língua.
O que te inspira?
Tudo. Pode ser eventos como estes festivais, conhecer
pessoas interessantes, viajar muito.
As viagens e os festivais ajudam na composição musical?
Trazem boas oportunidades de comunicação mas quando tenho de
compor tenho de estar sozinho durante algum tempo e mover-me mas dentro de mim
mesmo.
Até agora o que pensas do FATT?
A organização, o Ricardo e o resto da equipa, foram muito
atenciosos durante todo o dia. O local é muito bonito. É a primeira vez que
venho a Portugal, é diferente da Rússia mas podemos comparar um pouco com o Sul
da Rússia perto do Mar Negro.
Qual é a mensagem por detrás da tua música?
É difícil pôr em palavras. A arte serve mesmo para isso,
para aquilo que as palavras não conseguem explicar. Quando tocamos podemos
pensar que estamos a passar alguma emoção mas para quem ouve pode ser
diferente. E em diferentes ocasiões toco a mesma música mas com um sentimento
diferente.
O didgeridoo é comum no teu país ou é mais alternativo?
É mais relacionado à música experimental. Os instrumentos
mais modernos são complexos mas o didgeridoo é muito simples. É muito
minimalista e às vezes é difícil torna-lo único e diferente. Gosto de usar
alguns aparelhos que me ajudam a preencher o som.
E como entraste em contacto a primeira vez com o didgeridoo?
Uma vez conheci umas pessoas e um deles estava a tocar
naquele “tronco”, ele não era muito bom, mas ouvi aquele som e achei bastante
novo e único. Ele tinha trazido dos EUA. Naquela altura tocava guitarra e rock
mas passei por uma crise artística pois achava tudo igual e já muito usado. O
didgeridoo atraiu-me pelo som único, simples mas complexo.
Ab Origine (Gianni Placido e Mario Francavilla)
Para quem não vos conhece, quem são os Ab Origine?
GP - Vimos de Itália. Eu comecei a tocar didgeridoo há
alguns anos em projectos a solo. Desenvolvi depois o projecto Ab Origine em
duas formas, com outros músicos que conheci em jam’s e com o Mario onde toco em duo. Conhecemo-nos há dois anos e
desenvolvemos alguns temas que eu já tinha composto a solo. Temos um novo
formato de espectáculo e um novo álbum, “Keeping the wire”, que viemos aqui
apresentar.
MF – O projecto é um cruzamento entre o som de várias partes
do mundo. O didgeridoo moderno e o cajon moderno. O didgeridoo do Gianni não é
tradicional bem como a forma moderna de o tocar assim como o meu cajon da
música flamenca e peruana, é outro estilo similar ao estilo electrónico mas com
muitas tradições de música de vários países como é o caso da música brasileira
que estudei introduzindo o shaker e os bongos.
Como é que chegaram a esse cruzamento de culturas e géneros
musicais?
MF – Com muita paixão.
GP – Com as viagens também. Eu por exemplo adoro a cultura
indiana e fiz um tema em homenagem a Shiva, o deus da dança, da destruição e do
caos. Temos músicas com influências indianas, afro-cubanas, etc. Mas para mim é
importante ter uma ideia transversal, não só misturar as diferentes culturas.
Tem de haver um significado que una tudo. Quero transmitir algo que toda a
gente entenda independentemente da sua cultura.
No som?
GP – Na ideia atrás do projecto e não tanto na sonoridade.
MF – O nosso nome, Ab Origine…
GP – Sim, o nosso nome não vem da cultura aborígene. Vem do
latim e significa “da origem”. O início, de todos nós.
O que estão a achar do festival?
MF – É um festival muito agradável, mais pequeno do que
estamos habituados mas muito bom. Estou bastante relaxado.
GP – É muito amigável. E bem organizado.
O que podemos esperar do vosso concerto?
GP – Que as pessoas dancem e se divirtam!
Dubravko Lapaine
Para os nossos leitores que não te conhecem o que podes
explicar acerca do teu projecto?
Venho da Croácia e devoto a minha vida a explorar as
possibilidades do didgeridoo. Deixei tudo para trás na minha vida, era
matemático e trabalhava numa Universidade. Há oito ou nove ou anos atrás. Toquei
muitas horas por dia, fui bastante disciplinado e fui entrando cada vez mais na
vastidão do som do didgeridoo e apercebi-me das imensas possibilidades que
nunca considerara.
Como é que entraste em contacto com o didgeridoo e toda a
sua cultura?
Descobri o “tubo” a primeira vez numa loja em Zagreb, onde
moro. Acabava sempre por voltar lá sem saber sequer para que é que esse tubo
servia. Quase todos os dias voltava a essa loja e algo me puxava, foi antes da
internet e por isso a informação espalhava-se de uma forma muito diferente. Não
imaginava nessa altura vir a tornar-me músico profissional.
É comum o instrumento no teu país ou mais alternativo?
Não é comum em lado nenhum. A cultura didgeridoo é muito
antiga e agora tornou-se um instrumento muito fresco. Por um lado é um
instrumento que nos traz liberdade mas por outro nos anos 80 e 90 acabou por
ficar ligado a uma cultura mais hippie e não foi publicitado por isso não é de
todo mainstream. Para o didgeridoo se
tornar mais popular toda a consciência tem de mudar.
O que te inspira?
As possibilidades infinitas. Quando estava ligado à
matemática não sentia que podia ter um impacto no mundo mas com o didgeridoo já
sinto o meu contributo para os outros. Também posso dizer que a minha
inspiração interior provém de uma meditação, se bem que ao dar um nome acaba
por perder o significado mas é uma maneira de encontrar um lar dentro de mim.
Não preciso de ler livros ou de aprender como fazer, o próprio instrumento
guia-me.
O que estás a achar do FATT?
É o sítio certo para se estar neste momento, a energia está
a crescer. A energia da cultura didgeridoo entrou em vários países em alturas
diferentes. São ondas de crescimento e decréscimo. Em Portugal a história do
didgeridoo começou relativamente tarde e por isso agora a onda ainda está a
crescer. O lugar é bonito e as pessoas são bonitas.
Kabeção
Gostaria de saber quando é que começaste a ter contacto com
o didgeridoo e com a cultura aborígene?
Foi em 2007 no MEO SW. Havia uma banca de instrumentos
musicais e curiosamente estava lá um didgeridoo e no dia anterior tinham tocado
os Blasted Mechanism, que utilizam esse instrumento, e eu tinha ficado
fascinado. Nessa banca experimentei e acabei por ficar com um.
O que é que te inspira?
A vida. Cada momento inspira-me.
O que achas do FATT e do que traz para a cultura didgeridoo
em Portugal?
O FATT para mim é um dos melhores festivais em Portugal.
Primeiro porque é muito familiar, as pessoas vêm mesmo para este conteúdo, para
esta essência do didgeridoo e isso acaba por juntar pessoas com os mesmos
ideiais. É um festival também bastante interessante a nível musical. Não falho
este festival há sete edições e há seis edições que tenho sempre tocado nele.
Qual é a mensagem por detrás da tua música? O que pretendes
transmitir?
Tento transmitir a minha essência, partilhar um pouco do meu
interior. A mensagem também depende um pouco do momento, os meus concertos são
muito espontâneos. Depende da energia, do público, da pessoa com quem esteja a
tocar, … A mensagem é sempre diferente, é mesmo do momento.
Esta noite vais tocar com outro artista. O que podemos
esperar desse concerto?
Podem esperar um belo momento. Por acaso não toco com ele há
sete meses e vamos tocar hoje, vamos ver o que acontece.
Vai ser muito à base do improviso ou está tudo mais ou menos
combinado?
O combinado é não estar combinado. Mas vai fluir.
Como foi a experiência do programa televisivo que
participaste (Got Talent)?
Abriu-me várias portas. As pessoas hoje em dia conhecem-me
mais, sou artista de rua e toco em outros festivais lá fora. Mas depois do
programa as pessoas começaram a dar mais valor e a reconhecer mais o meu
trabalho e tenho recebido imensos convites e imenso carinho.
João Jardim
Como começaste a ter contacto com a cultura aborígene e com
o didgeridoo?
Bom, o meu primeiro contacto com a cultura aborígene foi
através dos documentários da National
Geographic que davam no canal Odisseia. Mas foi em 2007 que ouvi e vi o didgeridoo
pela primeira vez, num concerto dos Blasted Mechanism na ilha da Madeira, onde
fiquei maravilhado e muito curioso pelo som que vinha do ‘’tubo mágico” (nome
que chamava na altura). Só passados uns 5 meses é que uma ex-namorada me
ofereceu um didgeridoo de Teca, tipicamente encontrado nas feiras de artesanato
e instrumentos do mundo, começando aí a minha viagem com este instrumento.
Como caracterizas esta cultura em Portugal? Está em
crescimento?
A meu ver, o didgeridoo em Portugal está cada vez a ganhar
mais adeptos. Se formos a ver o crescimento do público nas últimas edições do
festival FATT, o número de bandas com didgeridoo e os tocadores que têm vindo a
aparecer, certamente é sinónimo de um movimento em crescimento. Além do mais, o
festival FATT tem vindo a despertar a curiosidade de muitos países, sendo até
considerado por algumas pessoas como o 2º melhor festival de didgeridoo da
Europa.
O que pensas do FATT e do papel que tem para esse possível
crescimento?
O FATT é um grande motor para este movimento perdurar, é
nele que muitas pessoas vêm buscar inspiração, graças aos super line ups que este festival oferece e à partilha que lá
existe, para não falar nos 3 dias de puro relaxamento. Devo muito a este
festival, foi aqui que conheci muitas pessoas que me ajudaram a crescer com
este instrumento e foi onde nasceu e cresceu o Khayalan-trio (grupo a que
pertenço).
O que é que te inspira?
As pessoas em geral, existem muitos artistas de referência
na minha vida, mas sinto-me muito estimulado quando vejo a alegria das pessoas
quando me ouvem. Também adoro quando estou rodeado de músicos, especialmente os
que não tocam didgeridoo e encontro novas formas de usar este instrumento, sair
de alguns clichés criados em torno do mesmo e procurar novos sons e texturas.
Gostámos bastante do teu concerto na primeira noite do
festival. Sentiste a energia do público da mesma forma que sentimos a tua?
Definitivamente, aliás foi incrível o que me fizeram sentir.
O público teve muito impacto na escolha e performance dos temas que queria
apresentar, tentei ser o mais fiel às minhas composições, mas estendi algumas
partes e improvisei muito seguindo as vibrações que se iam gerando.
A participação neste género de festivais e as viagens são
importantes para a composição?
Completamente, as viagens que tenho feito com e pelo
instrumento têm ajudado imenso seja na minha impulsão como tocador a nível
mundial, como também são partes de um processo de aprendizagem que nunca irá
acabar. Participar neste género de festivais é importantíssimo para mim, pois é
assim que aprendo a ganhar mais confiança em mim mesmo e a melhorar as minhas
composições e performance em palco.
O SouMúsica.pt quer agradecer à organização do FATT, especialmente à Susana, pela fantástica forma como nos receberam e a todos os artistas que despenderam algum do seu tempo para a realização destas entrevistas.
Texto: Sofia Robert
Fotografias: Luís Carvalho
Mais fotografias em: https://www.facebook.com/soumusica.pt
Instagram e Twitter: @soumusicapt
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